Novas regras chegam para modernizar a indústria

A nova regulamentação dos fundos de investimento tem potencial para atrair mais investidores e prestadores de serviço. É essa a expectativa dos especialistas com relação às normas que vão regulamentar a aplicação da Lei da Liberdade Econômica (LLE), além de modernizar vários aspectos da indústria de fundos.

“A atualização da legislação é muito bem-vinda e nos aproxima dos mercados internacionais”, afirma Pedro Rudge, vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). A mudança começou com a LLE, que, embora tenha entrado em vigor em 2019, depende ainda de regulamentação por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para ser colocada em prática. Os fundos terão uma única norma, em vez de várias resoluções dispersas, e as especificidades de cada fundo serão tratadas em anexos. A nova regra é esperada para até o fim do ano (até o fechamento desta edição, não havia sido publicada) – e, a partir dela, o mercado deve começar a se adaptar.

Um dos pontos mais importantes da nova lei diz respeito à natureza dos fundos, que agora são condomínios de natureza especial com a possibilidade de haver responsabilidade limitada dos cotistas. Antes, se o patrimônio líquido do fundo ficasse negativo, os cotistas eram chamados a aportar recursos. Se esses não cobrissem o rombo, o administrador tinha que pagar a conta. Essa sistemática era considerada um risco adicional de se investir em fundos ou prestar serviços no Brasil, pois não existe em outras jurisdições importantes, observa Fábio Cepeda, sócio do Cepeda Advogados. Agora, se o fundo tiver PL negativo, os investidores podem perder todo o capital aplicado, mas não ficarão devendo. Os administradores também não são responsáveis por cobrir o prejuízo, exceto em caso de má fé ou dolo. E os fundos vão poder entrar em insolvência, como ocorre com as empresas.

“As mudanças são muito positivas para os investidores e prestadores de serviço e podem ter efeitos como o aumento da concorrência e a entrada de novos participantes”, afirma Cepeda. Seu escritório já vem sendo consultado por prestadores de serviço interessados em entrar ou voltar a atuar no Brasil.

A responsabilidade limitada deve ter impacto principalmente sobre os investidores estrangeiros, considera Ana Carolina Nomura, sócia do Mattos Filho Advogados: “Vai ser mais fácil explicar o funcionamento dos fundos no Brasil. A questão da responsabilidade do cotista causava muito desconforto”. A lei também trouxe mais clareza sobre as responsabilidades dos administradores e gestores – que antes podiam responder na Justiça em conjunto. A partir da nova norma, cada um poderá ser responsável de acordo com as suas atribuições.

Outra novidade é que agora os fundos poderão ter classes diferentes de cotistas, com patrimônios líquidos segregados. O mesmo fundo poderá, por exemplo, ter uma classe que segue o Ibovespa, outra de ações small caps e outra que segue o IBrX 100, que vão operar de forma separada, mas podem dividir o mesmo administrador e devem pagar menos taxas. “Isso vai gerar economia de escala e possivelmente baratear os custos”, afirma Enrico Bentivegna, sócio do Pinheiro Neto Advogados.

O investidor irá investir na classe (que contará com CNPJ próprio) e não no fundo, e o regulamento do fundo será único, mas com anexos diferentes com as condições das diferentes classes. Também se espera maior agilidade para criar produtos.

Pela LLE, seria possível criar um fundo com classes de ativos diferentes (ações, renda fixa, multimercados), mas há um empecilho para isso, já que a tributação ocorre nos fundos e teria de passar a ocorrer nas classes – para isso, é necessário uma alteração na lei tributária. Até que isso ocorra, devem ser criados fundos com a mesma classe de ativos (só de renda fixa ou só de ações, por exemplo).

Além das classes, a expectativa é que os fundos tenham subclasses para diferentes tipos de investidores – elas servirão para dar diferentes condições, como taxas de administração. “Nesse ponto, ocorrerá uma economia bem relevante”, avalia Cepeda. Hoje em dia, os gestores precisam criar fundos novos para oferecer condições diferentes, o que onera bastante os investidores porque cada fundo tem uma estrutura própria, como um CNPJ, o pagamento a um administrador, a taxas na CVM e à auditoria. A existência de subclasses, embora não criada pela LLE, está prevista pela nova resolução da CVM.

Além deste ponto, Rudge espera que venham outras mudanças e flexibilizações por parte da CVM, como o aumento do percentual permitido para aplicações no exterior, a regulamentação de ferramentas de liquidez para os fundos recorrerem em momentos de estresse e a maior transparência ao investidor sobre a remuneração dos prestadores de serviço.

 

Fonte: Valor Econômico