Desoneração de combustível, energia e telecom ‘tira’ receita a ser ganha com setor mineral

Se não revertidas ou compensadas a partir de 2023, as desonerações estabelecidas durante 2022 podem tirar a maior parte do ganho de receita que o setor extrativo mineral deverá proporcionar ao governo nos próximos dez anos. As desonerações de IPI, somadas às de PIS e Cofins sobre combustíveis e de ICMS em energia elétrica, combustíveis, telecom e transporte urbano somam 1,6 ponto percentual do PIB ao ano. É pouco mais que o ganho médio anual de 1,4 ponto percentual do PIB esperado na receita bruta federal vinda do setor extrativo mineral quando comparado o projetado para o período de 2023 a 2031 contra o obtido entre 2011 e 2020.

Essas receitas devem vir sobretudo de petróleo, gás natural e minério de ferro. No decorrer de 2021 e 2022 elas cresceram impulsionadas por alta de preços e por câmbio mais desvalorizado.

Nos próximos dez anos, porém, essas receitas devem passar a ter crescimento sustentado de forma mais significativa por avanço nos volumes de produção, principalmente de petróleo e gás. Os cálculos são do economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). O estudo deve ser publicado no Observatório de Política Fiscal da instituição e traz atualização de valores de levantamento anterior divulgado pelo Valor em junho.

“Em meados do ano divulgamos a descoberta dessa receita nova, que será persistente, embora não permanente. Seria uma receita que poderia nos ajudar, contribuir para melhorar o resultado primário do setor público na próxima década e para o ajuste fiscal, permitindo algum gasto aqui e acolá”, lembra Borges. “O que se vê agora ao fim deste ano, porém, é que esse ganho foi consumido com as desonerações concedidas em 2022. Gastamos de antemão esses recursos e enxugamos gelo.”

“Claro que as desonerações não são imutáveis”, destaca Borges. “Mas sabemos que há ônus. As desonerações não serão revertidas imediatamente e será custoso, principalmente do ponto de vista político. Aumentar o PIS e a Cofins sobre combustíveis pressiona preços e pode causar várias reações, entre elas a de caminhoneiros. A reversão da redução de ICMS também não deve acontecer tão cedo.”

A arrecadação do imposto estadual, avalia, talvez só seja recomposta num contexto de reforma da tributação do consumo, numa proposta que estabeleça o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA), mas sem efeito imediato. Nas propostas já discutidas nesse sentido, lembra, a mudança começa com os federais PIS e Cofins e alcança o ICMS depois, após período de transição de pelo menos seis anos.

Na última semana o Comsefaz, comitê que reúne secretários estaduais de Fazenda, divulgou orientação aos Estados para elevar a alíquota padrão como caminho para recompor arrecadação de ICMS. Borges destaca que há iniciativas de Estados nesse sentido, mas não se trata de movimento sincronizado e não se sabe se haverá recuperação de 100% da receita perdida.

Dentro da ideia de um imposto seletivo, de caráter extrafiscal, com alvo em externalidades negativas, diz, é possível que se retome o debate sobre algo como um “carbon tax”, mas isso também não deve acontecer imediatamente, diz.

Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Ibre, ressalta que neste momento de discussão da chamada PEC da Transição, há muita preocupação sobre como se dará o financiamento dos gastos discutidos. Parte disso, diz, virá naturalmente com o crescimento do setor extrativo mineral, o que tem ficado fora do radar da maior parte dos analistas.

Nas contas de Borges, a renúncia com as desonerações do IPI equivale a 0,3% do PIB ao ano. A redução a zero do PIS e da Cofins sobre combustíveis tiram da arrecadação 0,5 ponto percentual do PIB. Já a redução de ICMS sobre energia elétrica, combustíveis, telecomunicações e transporte urbano representa perda igual a 0,8% do PIB. Somadas, as renúncias equivalem a 1,6% do PIB de forma anualizada.

Esse percentual está pouco acima da média estimada de ganho de receita bruta federal associada ao setor extrativo mineral nos próximos dez anos, mostra estudo de Borges. Essa receita foi equivalente a 0,92% do PIB considerando a média anual observada de 2011 a 2020. Em 2021 chegou a 1,8% do PIB e alcançou 2,6% nos 12 meses encerrados em outubro deste ano. Para 2021 e 2022, o economista projeta que essa receita deve chegar a uma média anual de 2,19% do PIB. Para o período de 2023 a 2031, Borges estima que, num cenário-base, o setor extrativo mineral contribua com média anual equivalente a 2,36% do PIB para a receita bruta federal. Ou seja, 1,4 ponto percentual de ganho em relação ao período de 2011 a 2020.

A receita considerada pelo economista inclui tributos federais associados ao setor extrativo mineral — sem fabricação ou refino de combustíveis nem comercialização — excluída a contribuição previdenciária. Também inclui óleo-lucro nos contratos de partilha, dividendos pagos pela Petrobras à União e receitas de exploração de recursos naturais, como royalties, participações especiais sobre petróleo e a Contribuição Financeira para Exploração Mineral (CFEM), entre outros. Borges usa o conceito de receita bruta da União porque parte dessa arrecadação, caso dos royalties ou de tributos federais, como Imposto de Renda e IPI, é distribuída a Estados e municípios.

Embora nos últimos dois anos boa parte do aumento das receitas ligadas ao setor extrativo tenha refletido a forte alta das cotações internacionais do minério de ferro, em 2021, e do petróleo, em 2022, bem como a desvalorização do real frente ao dólar, no médio e longo prazo tende a predominar um “efeito quantidade”, indica o estudo de Borges.

A extração de petróleo e gás natural no Brasil, destaca, deverá crescer quase 80% até o fim da década. Ele também ressalta os impactos do aumento da carga tributária sobre o setor de extração de petróleo e gás, “contratado” desde 2010, associado à criação do regime de partilha para a exploração na área do pré-sal. Com o aumento de produção nesses campos, aponta, cerca de metade de todo o petróleo e gás extraído no Brasil no fim da década deverá ocorrer sob o regime de partilha, partindo de zero em 2017. Os dados foram projetados com base em documentos e estudos diversos, incluindo estimativas oficiais divulgadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pela PPSA, estatal criada para gerir os contratos de partilha no pré-sal.

As receitas projetadas por Borges consideraram no cenário-base, entre outras condições, câmbio nominal médio com dólar a R$ 5,25 em 2023, caindo a R$ 5,20 em 2024 e 2025, seguida de desvalorização gradativa para dólar a R$ 5,56 em 2031. Para o preço do petróleo a estimativa considera preço médio do barril do Brent a US$ 93 em 2023, US$ 85 em 2024, com queda de cotação gradativa até média de US$ 77 o barril em 2027, seguida de retomada de altas de preço que vão até US$ 84 o barril em 2031. Segundo o estudo de Borges, mesmo que a cotação seja 20% mais baixa do que a adotada no cenário-base em todo o período de 2023 a 2031, as receitas com o setor extrativo ainda seriam significativamente maiores do que se observou na década encerrada em 2020. Nesse caso, as receitas associadas ao setor extrativo mineral alcançariam o equivalente a 2,24% do PIB em 2031, o que estaria 1,3 ponto percentual acima da média entre 2011 e 2020.

Além das oscilações das cotações de petróleo e do câmbio, lembra Borges, há outros riscos no cenário traçado para as receitas, como a evolução do volume de extração de petróleo e gás e dos preços. Mas o maior risco, diz, está no mau uso desses recursos.

O economista defende o desenho de regras fiscais específicas para essas receitas, mais voláteis e associadas à exploração de recursos finitos. “Temos que reconhecer questões de equidade intergeracional. Se os recursos forem mal utilizados, quem vai viver daqui a 30 ou 40 anos não se beneficiará das receitas associadas à exploração de petróleo, seja porque a produção não se manterá em igual volume, seja porque o petróleo, por exemplo, pode perder valor com uma transição de matriz energética.”

Fonte: Valor Econômico