Política fiscal pode prejudicar cenário de queda da inflação

A inflação de novembro ficou abaixo do esperado pelos especialistas do mercado financeiro, em mais um sinal de que a política monetária está fazendo efeito para baixar o índice de preços para as metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) até 2024. Mas as incertezas sobre como vai ser a política fiscal no futuro governo Lula podem prejudicar a concretização desse cenário favorável.

O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 0,41% no mês passado, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira. O percentual ficou abaixo da mediana das projeções dos analistas do setor privado, de 0,54%, de acordo com amostra com a opinião de 36 consultorias e instituições financeiras consultadas pelo Valor Data. Nenhuma delas apostava que a variação do índice ficasse tão baixa no mês.

Não apenas o índice cheio, mas também a abertura dos dados, foi melhor. O índice de difusão, que mede o percentual de preços que subiram no período, recuou de 67,5% para 58,7%. Das nove classes de produtos e serviços pesquisados, seis tiveram desaceleração na alta, incluindo alimentação e bebidas, artigos de residência, vestuário, educação, saúde e cuidados pessoais.

Os chamados núcleos de inflação, que excluem preços mais voláteis, como alimentos e energia, também apresentaram redução, o que sugere que a baixa do índice de inflação não é apenas temporária. A média dos núcleos de inflação mais usados pelos especialistas recuou de outubro para novembro, de 0,59% para 0,29%.

Os dados são positivos, mas vai uma grande distância para afirmar que a batalha contra o surto inflacionário está ganha. Em termos anuais, o IPCA está muito alto, em descompasso com as metas de inflação fixadas pelo CMN. Em 12 meses até novembro, a variação do índice de preços chega a 5,9%, ante uma meta estabelecida em 3,5% para este ano. O prognóstico do mercado é que possa fechar 2022 em um percentual menor do que 6%.

Uma parcela muito importante dessa desaceleração inflacionária se deve a cortes de impostos patrocinados pelo governo Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Como eles parecem insustentáveis, ante a fragilidade fiscal da União e dos Estados e municípios, uma parcela representativa do mercado acredita que eles sejam revistos no ano que vem. Ou seja, a inflação caiu neste ano, em parte, apenas por que foi transferida de 2022 para 2023.

O efeito dessas medidas baixistas ocorreram até as eleições, em outubro, por isso os dados do IPCA de novembro permitem uma leitura mais precisa do que está ocorrendo. Já começam a aparecer alguns sinais de que a política monetária está fazendo os seus efeitos, depois de o Banco Central elevar os juros básicos para 13,75% ao ano.

O aperto da política monetária parece estar se transmitindo na atividade econômica, que apresentou uma desaceleração no terceiro trimestre, apesar dos monumentais estímulos fiscais injetados. O natural é que, ao longo do tempo, esse efeito mais forte chegue aos preços.

Mas, provavelmente, será um trabalho árduo fazer a inflação baixar dos níveis atuais para as metas. Será preciso persistência e disciplina da política monetária. Preços como os de serviços costumam ser mais inerciais e cair mais lentamente, puxados pelo aumento do desemprego e da ociosidade em geral da economia.

De qualquer forma, as estatísticas da inflação de novembro mostram que pode haver um caminho para a inflação cair à meta até meados de 2024, como traçado no cenário básico do Banco Central. Na sexta-feira, os juros negociados em mercado renovaram a esperança de que isso possa ocorrer, com a queda das taxas mais curtas.

Infelizmente, não se colheu integralmente os ganhos dessa melhora no cenário inflacionário devido às incertezas sobre qual vai ser a política fiscal no governo Lula. Os juros mais longos continuam pressionados. Alguns analistas econômicos ouvidos pelo Valor na sexta-feira resolveram não incorporar a surpresa inflacionária de curto prazo nas suas projeções de longo prazo, devido ao risco de a política fiscal prejudicar a convergência do IPCA para as metas.

O Comitê de Política Monetária (Copom) acerta em alertar, em comunicado na semana passada, para o risco representado por um eventual descontrole adicional das contas públicas, além daquele que já ocorreu durante o governo Bolsonaro.

Fonte: Valor Econômico