Países ampliam restrições a exportações brasileiras

As exportações brasileiras entraram mais na mira de medidas de defesa comercial nos países de destino. Das 87 medidas em vigor atualmente, 58 foram aplicadas de 2020 até o último dia 30. O volume é pouco mais que o dobro das 27 medidas colocadas em vigor de 2017 a 2019. O número inclui casos de revisão e prorrogação e alcança direitos antidumping, salvaguardas e compensações por subsídios. Os dados sinalizam uso global mais intenso e diversificado de mecanismos de defesa comercial. Ao todo 22 países ou blocos mantêm medida em vigor para os embarques brasileiros.

Os EUA são os que mais têm medidas de defesa, com 17 em vigor, seguidos por Argentina, com 12 medidas, e Indonésia, com 11 casos. Ferro, ferro fundido e aço e obras desses materiais somam 34 medidas em vigor. Apesar de o setor siderúrgico ser alvo mais frequente, os mecanismos de defesa já afetam grande número de segmentos, que vão desde máquinas, papel, borrachas até alimentos, como frango, açúcar e mel.

Ao todo são 33 grandes setores afetados, considerando os capítulos do Sistema Harmonizado usado como padrão para codificar produtos no comércio global. Dos 99 capítulos existentes, em um terço deles o Brasil é alvo de medida de defesa comercial. Os dados fazem parte do Painel de Defesa Comercial, plataforma montada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp).

“O Brasil tornou-se alvo mais frequente de medidas de defesa comercial e há um conjunto diversificado de setores afetados”, diz Tatiana Prazeres, diretora de relações internacionais e comércio exterior da Fiesp. “É cada vez mais comum o exportador brasileiro receber uma carta avisando sobre uma investigação e ser convidado a responder um questionário”. A intensificação de medidas de defesa é tendência global explicada por diversos fatores, diz, como dificuldade econômica, mudança de circunstâncias internacionais e políticas para evitar que a indústria doméstica seja prejudicada por práticas ilegais ou desleais de comércio.

Segundo o painel, o número de medidas de defesa notificadas à Organização Mundial do Comércio (OMC) saltou de 150 em 2020 para 329 em 2021. Em 2019 foram 193 notificações. No topo do ranking dos destinos que mais notificaram em 2021 estão EUA, Índia e Canadá. Esses dados da OMC não alcançam revisão ou prorrogação.

Em 2022, até 30 de novembro, foram aplicadas ou prorrogadas 20 medidas de defesa comercial em vigor para as exportações brasileiras. Foram 12 mecanismos antidumping, sete salvaguardas e um caso de medida compensatória por subsídio. A composição, ressalta Tatiana, mostra maior diversificação dos instrumentos. Antes se usava basicamente o direito antidumping e hoje as salvaguardas passam a ser aplicadas com maior frequência, inclusive por economias mais maduras, diz.

Das sete medidas de salvaguarda em vigor aplicadas neste ano, duas foram da Turquia. As demais partiram de Marrocos, Filipinas, Reino Unido, União Europeia (UE) e EUA. Dentre os sete processos, há exclusão de sobretaxa expressa para o Brasil em seis. As salvaguardas possibilitam que países em desenvolvimento, caso do Brasil, fiquem livres de sua aplicação, desde que cumpridos requisitos relativos à participação das exportações ao país de destino. A situação pode ser revista (ver matéria Conheça as principais medidas de defesa comercial).

A salvaguarda da UE prorrogada em 2022 é emblemática. Está vigente desde 2019 e houve revisão em junho deste ano. Das quatro categorias de produtos de aço incluídas na medida, o Brasil foi excluído de duas, mas está sujeito a sobretaxas em outras duas. A medida estabeleceu cotas que, excedidas, submetem as exportações a sobretaxa de 25%. A medida, lembram técnicos da Fiesp, foi uma reação da UE a efeitos das sobretaxas que o ex-presidente dos EUA, Donald Trump, aplicou ao aço importado em 2018. Segundo os europeus, houve deslocamento de exportações, o que levou a um volume alto de embarques de aço à UE.

As salvaguardas, explica Tatiana, são aplicáveis quando há surto repentino de importações de determinado item combinado com prejuízo à indústria doméstica. “Se isso pode ser comprovado, a salvaguarda é o remédio mais eficaz, porque com uma só medida é possível atingir todas as origens, os vários países que causaram a importação repentina. Já a medida antidumping precisa ser aplicada a cada um dos países exportadores.”

Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) lembra que o comércio internacional relacionado a ferro e aço é tema sensível aos EUA. Como os americanos lideram os mecanismos de defesa em vigor que envolvem exportações brasileiras, diz, é esperado que o setor siderúrgico seja um dos principais alvos. Das 17 medidas americanas em vigor, dez envolvem os setores de ferro, ferro fundido, aço e suas obras.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior (AEB), avalia que a intensificação das medidas está conectada à onda protecionista em vários países ao mesmo tempo em que há reorganização das cadeias de produção e uma tentativa de trazer indústrias para seu próprio território ou para regiões consideradas amigáveis. No caso da Argentina, diz, o grande número de medidas de defesa também pode ser explicado pela crise econômica do país, que tem estabelecido medidas de restrição às importações.

Já o número alto de medidas da Indonésia se explica mais pela política desse país do sudeste asiático, diz Welber Barral, sócio da BMJ Consultores. A Indonésia tem salvaguarda para vários produtos e como a medida atinge todas as origens, diz, o Brasil é afetado. “O país historicamente tem mercado fechado e está se abrindo, mas há muita resistência interna. Por isso o Mercosul busca acordo com a Indonésia e também com o Vietnã.”

Fonte: Valor Econômico