Estímulos oficiais adiam desaceleração da economia

A esperada desaceleração da economia brasileira vai sendo postergada pelos efeitos dos estímulos concedidos pelo governo. Da mesma forma, o aperto monetário, que chegou ao fim (até segunda ordem), tem sido mitigado pela mesma razão, enquanto que a inflação, excluído o efeito da retirada e diminuição dos impostos sobre combustíveis, cai a uma velocidade menor que o IPCA cheio. O PIB deverá ser positivo no terceiro trimestre e é possível que avance marginalmente no último trimestre do ano.

Acréscimos à renda, eleitoreiros ou não, estão movendo o setor de serviços, que continua puxando o desempenho da economia e produzindo curiosos contrastes. Os indicadores antecedentes e coincidentes de setembro, listados pelo Valor (edição de ontem), estão todos negativos, da produção de veículos às consultas ao SPC, menos um: o índice de confiança do consumidor (FGV), que dá um salto de 6,46%.

Indústria e varejo ampliado tiveram resultado negativo no terceiro trimestre, enquanto que os serviços permanecem crescendo (1,3% em julho, 0,7% em agosto). Como a produção industrial e as vendas do varejo ampliado estão em queda, são os serviços ligados à renda do consumidor os que estão sustentando o crescimento. Ao mesmo tempo, com a demanda relativamente aquecida, a inflação do setor, de 8,5% em 12 meses terminados em setembro, é superior ao IPCA, de 7,2%. “Serviços ainda estão mais fortes que o esperado, sempre surpreendendo para cima”, avalia Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro, da FGV, que prevê crescimento da economia de 2,7% no ano corrente.

Puxam o consumo até agora a redução rápida do desemprego e, mais recentemente, a interrupção da queda dos salários, por seu lado, reforçada pelo recuo da inflação. Depois, os estímulos oficiais de crédito, desonerações, reduções de impostos sobre combustíveis e bens essenciais compõem poderoso impulso às atividades. O Auxílio Brasil concederá até o fim do ano R$ 60 bilhões para 20 milhões de famílias, um acréscimo de R$ 46,5 bilhões em relação ao que seria pago caso o Bolsa Família tivesse sido mantido (a dotação do programa em 2019, último ano em que funcionou em caráter pleno, foi de R$ 33,5 bilhões).

Além disso, há deflação nos preços dos bens administrados, que vem sendo capturada pelos consumidores, como a queda de mais de 30% no preço dos combustíveis. As antecipações dos pagamentos de aposentadoria e liberação do FGTS delineam um conjunto que atinge algo como 2,5% do PIB, um forte estímulo para sustentar a expansão, enquanto durarem. Com tanto apoio, o país está condenado a crescer – por algum tempo.

O Monitor do PIB, feito pela FGV, aponta outro fator de dinamismo: o crescimento dos investimentos (formação bruta de capital fixo). “Houve em agosto forte importação de máquinas e equipamentos”, disse Claudio Considera, economista da FGV. O Boletim Macro aponta um desempenho robusto de outro item da FBCF, o da construção civil, com 6% no terceiro trimestre deste ano ante o terceiro de 2021. Na mesma base de comparação, os serviços avançam 3,7%.

Os dois candidatos à Presidência não desligarão boa parte das fontes de estímulo. Bolsonaro vai manter zerados os impostos federais sobre combustíveis e os R$ 600 para o Auxílio Brasil, uma conta que atinge R$ 100 bilhões. O ex-presidente Lula prometeu manter Auxílio Brasil e isentar de imposto de renda as pessoas que ganhem até R$ 5 mil.

A desaceleração parece inevitável diante das nuvens negras que cobriram o cenário externo, com juros em alta e retração global. No entanto, o maior crescimento em 2022 reverteu a expectativa, antes majoritária, de que 2023 será um ano de recessão. O boletim Focus mostra que a expectativa sobre o PIB do ano que vem teve melhora, de 0,5% há quatro semanas, para 0,59% agora.

Com a política fiscal indo na direção contrária à da política monetária, a inflação tende a cair mais devagar e, talvez, menos. O IPCA recuou basicamente devido aos combustíveis. A média dos núcleos de preços em setembro foi de 10,2%, segundo o Banco Central, ante 7,2% do IPCA. No terceiro trimestre, o IPCA teve deflação acumulada de 1,33%. Excluindo-se energia e gasolina, porém, haveria inflação de 1,35%. O IPCA voltará a subir em outubro, segundo o Monitor, por pressão dos alimentos. Se a inflação de 2024 se desgarrar da meta e a de 2023 não se acomodar no intervalo de tolerância (está em 4,9% no Focus), o BC terá de agir de novo.

Fonte: Valor Econômico