Aço Cearense sai da recuperação judicial e retoma expansão

Quatro anos e cinco meses depois, o grupo Aço Cearense acaba de se desvencilhar das amarras impostas pela Justiça em razão do processo de recuperação judicial. Com dívidas de R$ 1,83 bilhão, o grupo formado 43 anos atrás pelo empresário Vilmar Ferreira pediu proteção judicial contra credores em maio de 2017. No começo deste mês, dia 5, a Justiça declarou que a companhia está livre do acompanhamento judicial de dois anos por ter cumprido o plano aprovado pela assembleia geral de credores em 2018.

“Cumprimos todas as exigências da Justiça e tivemos até um atraso de um ano para essa liberação devido a alguns detalhes processuais”, disse ao Valor a vice-presidente comercial e financeira do Aço Cearense, Aline Ferreira. A executiva é acionista e filha do fundador do grupo. “O juiz decretou o encerramento da recuperação judicial. Hoje, nossa situação é confortável e já estamos há dois anos quitando as dívidas aprovadas no plano”, comenta Aline.

Várias empresas, entre elas a siderúrgica Sinobras, a Aço Cearense Comercial, a Industrial e a Sinobras Florestal, foram incluídas no processo de recuperação judicial. O grupo conseguiu um corte da ordem de R$ 1,2 bilhão na dívida e os pagamento foram escalonados, dependendo da classe de credores, em até 15 anos.

Companhia tinha dívida de R$ 1,83 bilhão no pico da crise, em 2017, e já havia cortado cerca de 1,3 mil funcionários

Cerca de 72% da dívida total era com um sindicato de cinco bancos: BTG Pactual, Santander, Itaú, Bradesco e Votorantim. O restante dos passivos consistia em débitos com fornecedores, incluindo a Usiminas, que fornecia aços planos, segundo informação do grupo na época.

Atualmente, afirmou a executiva, o endividamento do grupo está na faixa de R$ 800 milhões. Como outras siderúrgicas do país, se beneficiou do boom de demanda e da alta de preços do aço de meados de 2020 para cá, no meio da pandemia de covid-19. Chegou ao final de 2021 com receita líquida de R$ 5,4 bilhões, Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 2,23 bilhões e lucro líquido de R$ 1,94 bilhão.

O Aço Cearense é o maior beneficiador e distribuidor independente de aços planos do país, com cerca de 650 mil toneladas por ano. Adquire material (bobinas de vários tipos de aço) e industrializada em tubos, telhas, chapas, perfis e outros produtos na unidade da Aço Cearense Industrial perto de Fortaleza. Somando os aços longos que obtém na controlada Sinobras, com usina em Marabá (PA), o volume atinge a marca de 1 milhão de toneladas.

A crise econômica do país a partir de 2015, levando ao declínio do consumo de aço no país por vários anos, contribuiu para agravar a situação financeira do grupo e não restou outra saída – entrar na recuperação judicial. A situação se tornou insustentável em 2016, disse Aline, e quando não se chegou, no início de 2017, a um acordo de renegociação da dívida com os bancos credores.

Em consequência das dificuldades financeiras, a empresa já havia cortado 1,3 mil funcionários em suas operações. “Hoje estamos com quase 4 mil, após o reequilíbrio financeiro e operacional das nossas empresas”, afirma a executiva, que vê perspectivas de ampliação do quadro de pessoal com investimentos em andamento e de novos previstos.

“Todos nós estávamos ansiosos para chegar o dia em que a Aço Cearense perderia esse ‘sobrenome’ – Em Recuperação Judicial. Chegou o dia”, desabafa Aline. A empresária observa que, nessa condição, a empresa não podia falhar com as obrigações do plano e admite que havia limitações para tomar créditos em bancos.

Olhando para o futuro, um dos planos, informa a Aline, é concluir até o fim do próximo ano a expansão da siderúrgica Sinobras, de Marabá. Com a retomada dos investimentos, a usina atingirá capacidade de 800 mil toneladas por ano de produtos laminados. A empresa faz vergalhões, treliças, arame recozido e telas o mercado da construção civil.

Atualmente, a Sinobras consegue produzir até 380 mil toneladas por ano. O grosso do investimento é a montagem de uma nova laminação, apta a fazer 500 mil toneladas por ano de produtos, além de outras instalações, inclusive para processar sucata de aço. O grupo já aplicou em torno de R$ 200 milhões no projeto e estão previstos mais R$ 400 milhões.

Um outro passo, que ainda dependerá de estudos de viabilidade técnica e econômica até o final de 2023, é instalar um nova unidade de produção de tarugos (aciaria) que alimentariam a laminadora. O projeto faz parte de um acordo com a Vale, que forneceria a matéria-prima (a partir de minério de ferro) obtida com a tecnologia Tecnored, em uma unidade produtiva em Marabá.

Aline destaca que isso permitiria à empresa se tornar uma produtora de “aço verde”, pois reduziria a emissão de carbono, avançando na jornada de ESG. A Sinobras tem 13 fazendas próprias de eucalipto (26 mil hectares plantados), além de áreas de preservação, no Estado de Tocantins. O eucalipto é usado para fazer o carvão vegetal usado como redutor energético.

Na Cearense Industrial o grupo também avalia crescimento em seu mix de produtos. Para isso, vai precisar de mais equipamentos. Por meio da Sinobras, o grupo é dono de 1% da hidrelétrica de Belo Monte, o que garante energia para suprir consumo próprio.

Durante a crise, diz Aline, a empresa ganhou produtividade e eficiência nas suas operações. “O grupo tem uma resiliência forte. Estamos pondo o pé no acelerador de novo”, afirma a empresária, segunda filha do fundador.

Vilmar Ferreira, um self-made man que criou o Aço Cearense em 1979 como um pequeno distribuidor de aço em Fortaleza, é o CEO e presidente do conselho do grupo. Uma outra filha, Rose Marie Ferreira, assessora o pai na presidência e o irmão mais velho toca seus próprios negócios.

O empresário reativou a pauta da governança corporativa e prevê trazer conselheiros independentes ao colegiado. Conta com apoio de uma empresa de consultoria que ajuda na remodelação do conselho e dos estatutos.

Aline é tida como a potencial sucessora de Vilmar Ferreira no comando executivo do grupo. Para ela, a decisão, na hora, será por quem estiver mais preparado para dar continuidade à empresa. A transição está sendo trabalhada.

Fonte: Valor Econômico