Levantamento da World Steel Association mostra que, em 2015, sete anos após o início da crise financeira global, o consumo aparente de aço nos grandes mercados ainda não terá voltado aos patamares pré-recessão.
Os EUA consumirão 95,2% dos níveis verificados ainda em 2007. No caso do Japão, o consumo será de 79,9%, e na União Europeia, de 74,5%. O paradoxo desse quadro é que a recuperação lenta na utilização não inibe a existência de um cenário de superoferta, com siderúrgicas chinesas e europeias mantendo seus parques a todo vapor.
Um ambiente que, na visão do presidente-executivo do Instituto Aço Brasil (IAB), Marco Polo de Mello Lopes, causa um impacto na “variável da exportação” e também provoca corrosão na competitividade das siderúrgicas brasileiras, já afetadas por uma demanda interna contraída, pela invasão de importados e por “fatores sistêmicos” como a alta carga tributária.
“Não consigo competir na exportação nem com os importados, outra grande preocupação do setor”, diz Marco Polo de Mello Lopes. Confira a seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao Valor.
Valor: A produção mundial de aço bruto cresceu 3,5% no ano passado e 2,5% de janeiro a junho este ano, na comparação com igual período do ano passado. A previsão é de um excedente de 600 milhões de toneladas ao final de 2014, o que representa pouco mais de um terço da produção global. Há perspectiva de demanda para o excedente?
Marco Polo de Mello Lopes: Não, e esse é um dos grandes problemas no momento. A variável do mercado internacional sempre foi uma alternativa importante para o Brasil. Quando o mercado interno não demandava o suficiente, usávamos a exportação. Nesse momento temos um mercado interno que não cresce o esperado e que, ao mesmo tempo, vem sendo bombardeado por importações. E agora não temos a variável da exportação por conta desse excedente monumental de 600 milhões de toneladas. O crescimento da demanda mundial não é representativo. Em 2015, as grandes economias ainda não terão retornado ao nível de consumo do período pré-crise, o que ratifica que o excedente não terá solução de curto prazo.
Valor: Outro levantamento da WSA mostra que um caminho viável para a retomada da competitividade da indústria global é enxugar 300 milhões de toneladas anuais. É esperado algum ajuste no mercado para equilibrar a oferta?
Lopes: A grande novidade é que o Brasil e outros países latinos e do Nafta fizeram um trabalho junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para que a questão do excedente de capacidade passasse a ser uma prioridade efetiva. Nossa visão é que somente a OCDE, que é um fórum governamental, pode considerar o maior dos males no mercado, que é esse grande excedente. Que tipo de benefício se pode dar para poder enxugar o mercado? O que é permitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC)? Para botar mais sabor na discussão, temos um grande problema que são as state-owned enterprises, as siderúrgicas estatais, que operam com resultados baixos e não desaparecem porque são subsidiadas pelos governos. A grande concentração está na China. O Comitê (do Aço) da OCDE identificou, em 2011, que das 1,2 bilhão de toneladas de aço produzidas pelas 127 maiores empresas do mundo, 468 milhões, ou 38%, são de estatais, sendo 411 milhões, ou 34%, de estatais chinesas. O problema é de excedente da capacidade, mas certamente a questão das estatais é fundamental para sua solução.
Valor: Um dos temas discutidos no Congresso do ano passado é que o cenário de superoferta e baixo consumo impactam os preços internacionais. De que maneira esses fatores já afetam os embarques das siderúrgicas brasileiras?
Lopes: Se olharmos os dados mais recentes, de janeiro a junho, temos queda em todos os grandes indicadores. A produção de aço bruto caiu 1,5%, na comparação com igual período do ano passado, as vendas internas recuaram 5,3% e as exportações, 11,5%. Isso significa dizer que, hoje, nossa participação que já chegou a ser muito significativa em termos de balança, com 17% do saldo, caiu muito, por conta da deterioração das relações do mercado internacional. São práticas predatórias e preços deprimidos, um cenário muito difícil de participar.
Valor: Nesse cenário, quais fatores domésticos afetam a competitividade das usinas?
Lopes: A queda de participação das siderúrgicas e da indústria de transformação no Produto Interno Bruto é o que conceituamos de perda de competitividade em razão de fatores sistêmicos. No caso do aço, sob a ótica da modernização somos competitivos, com US$ 20 bilhões em investimentos entre 2008 e 2013. Nosso problema não é de obsolescência. Se eu investi e tenho um parque moderno, o que me pega são os fatores sistêmicos, como a cumulatividade dos impostos, alta carga tributária, custo da energia elétrica, o gás natural mais caro do mundo, o câmbio e o custo da mão de obra. São fatores que agravam a questão do excedente monumental no mercado mundial. O governo sinalizou com redução das tarifas de energia em 20%, mas o benefício chegou em uma faixa de 7% a 8%. Quem está no mercado livre não teve redução. Medimos o que seria o custo de produção da bobina a quente e comparamos o Brasil com Rússia, EUA, Turquia, China e Alemanha. Temos o custo inicial mais baixo. Agregada a carga tributária e fatores sistêmicos, despencamos para último. Sob a ótica de modernização dentro dos muros das fábricas, somos competitivos. Com os fatores sistêmicos, não consigo competir na exportação e nem com os importados, outra grande preocupação do setor.
Valor: O instituto calcula que, mantido o ritmo recente de importações, 53,2% do consumo aparente de aço do país terá como origem material de fora em 2022. Atualmente, esse índice é de 32%, considerando as importações diretas e também as indiretas. O setor há tempos defende medidas emergenciais de defesa comercial. Como estão essas reivindicações junto ao governo?
Lopes: Esses números são bombásticos. Este ano, as importações são de 8,6 milhões de toneladas. Em 2013, foram 9,3 milhões de toneladas importadas, entre importações diretas e indiretas, um volume que supera a capacidade de produção da maior usina em operação no país. Preocupa muito. Mantidas as condições normais de temperatura e pressão, pode fechar a porta e entregar a chave. O setor defende a necessidade absoluta de crescimento no mercado interno de forma sustentada, e de investimento maciço em infraestrutura. Se o governo não corrige as chamadas assimetrias competitivas, que são o custo da energia e gás, e não compensa com a desoneração do setor produtivo, sobra a questão da defesa comercial. Nós precisamos de uma defesa que assegure que não entre no país o material siderúrgico sem comprovação de conformidade, como exige a legislação brasileira. Uma defesa eficiente que evite fraudes, como a importação de fio-máquina e chapas chineses com adição de boro, que permite mudança na classificação do produto. E precisamos trabalhar na variável do conteúdo nacional.